sexta-feira, 13 de julho de 2012

Um pouco de Alice.




           Um pedaço do livro Alice para Sempre para vocês:

           Alice ouviu alguns passarinhos, manhãzinha recente, gorjeios e cantares diversos, e daí abriu a janela, viu cores e borboletas, abelhas, besouros e isabelinhas. As nuvens raras acolchoavam ou algodoavam o azul. Crescer e pensar por si mesma. Uma catarata de perguntas:
            – De que são feitos os dias? Por que é que estou aqui?
            Aspirou o ar de árvores molhadas, flores se abrindo e passarinhos movidos a sol, e não pensou em nenhum desafio importante, barcos a vela, emas e tamanduás-bandeiras corriam como balões e balõezinhos o campo azul, desejou as coisas mais, mais que já ouvira falar. Mas por que perguntou? O sol ia ajeitando as cores do dia, os sons do dia, os lugares para as coisas do dia:
            – Aquele algo sempre demais, demais que vem nos milagres.
            Trouxe com os olhos o azul para o espelho, se penteou, molhou a ponta dos lábios e saiu para o colégio.
As casas e os prédios estavam ali, as ruas estavam ali, as árvores em fila indiana, os carros chispando. As pessoas iam e vinham carregando o tempo debaixo do braço. As gameleiras-brancas trocavam perguntas e respostas e opiniões e bocejos. Vento fugindo do vento, vento fugindo do mar azul do céu, mais fugindo e barcos a vela voando.
Essa menina nunca parou para pensar. Ouviu falar que no princípio tudo e nada fora a mesma coisa, se perguntou:
            – Como pôde esse tudo sair do nada?
            E o caos entregue a Deus, que pode tudo, que deu um jeito, arco-íris como resumo do dia. Pelo interior dela, Alice, infinitos desejos, palpitações, tonteiras, galhos, queimações, explosões, trevas, luas.
            – Mas o que é que eu posso e não posso fazer? Vamos, alguém me diga, quero saber.
            Mirou-se no espelho de corpo inteiro, frente e verso e perfil, horas e horas ali, o batom vermelho beijou a lâmina de vidro, os peitinhos empinados e a barriguinha para dentro e a bundinha para cima, os olhos suplicantes de cachorrinha lavada. Olhos de água doce e cristalina, olhos que pareciam sempre voltar de país distante, um lugar que somente ela conhecia, somente ela conseguia e somente ela desconhecia. Alice do espelho era a verdadeira, imagem não mente. Ficou quieta e, talvez, o mundo também tenha aquietado-se.
            Em tempos passados e antigos, a menina era excelente aluna, obediente, naturalmente tinha um olhar doce e cristalino, e um sorriso e um riso de canarinha-da-terra. Carismática, ia direto para a escola e da escola para casa, não dormia sobre o caderno de deveres. Era mais suave que um bichinho de estimação, mais clarinha que um poema surrealista, mais doce que um filhote de corruíra, mais limpa que água nascida da pedra.
            Hoje já havia mudado, hoje sonhava, olhava os meninos bonitos ou se fingia, se achava. Assistiu Peri e Ceci, se viu sentada na imagem da canoa descendo o rio, ouvindo os sons do mato, Peri remava, Peri forte pra burro, Peri buscava frutos e pescava e caçava. Peri gostava de Alice. Dormiram no mesmo galho, se beijaram procurando estrelas no céu da boca. Peri cheirava à flor de chá. Alice encantada, o corpo de Peri ali, sonhado, e o buriti acordou carregado de almas-de-gato e araras-vermelhas-grandes e bem-te-vis-do-bico-largo.
Alice procurava tanta coisa, e via tanta coisa à sua frente. Alice desejava tanta coisa, e não entendia nada. Tinha necessidade de procurar, de se exibir para o mundo, de se expandir. Tudo seria novidade, tudo novidade, novidade. A novidade a deixava fora de si e não a deixava pensar. Tudo de bom em qualquer lugar. Era agora ou nunca: ela estava acordando para sair. Entrar pelos caminhos sem poder parar. Ventos salgados, ventos doces, ventos frios, ventos cheios, ventos amarelos, quatro ventos.

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