segunda-feira, 29 de julho de 2013

    Frio ou vazio?

    O pior frio é o da indiferença e quem já sentiu sabe que não é meramente psicológico, como muitos dizem. Raramente valorizamos o que temos. Assim, a grama do vizinho é sempre mais verde. Mas e se olhássemos além dos quintais, se víssemos a miséria das ruas, as pontes que tornam moradores os passageiros?
   A desgraça alheia deveria ser a muleta de nossa riqueza. Porém, vivemos correndo, esquecendo e com medo de olhar para os lados. Ninguém quer saber daquele que faz malabares no sinal esperando umas moedas no chapéu. No próximo semáforo haverá outro e, no próximo dia, outros tantos. Rente às grades de nosso prédio, estará algum esmoleiro – vulgo mendigo, deitado, agarrado ao seu cusco (cão amigo). Da pena, impotência, sensação de não ter o que fazer, logo, vem a indiferença, revelando que, no fundo, não damos a mínima.
    Vai dizer: no mundo é cada um por si, a menos que exista algum parentesco, amizade ou qualquer outro nome que sirva para derreter um pouco esse gelo chamado indiferença.
   Cavamos na esperança de encontrar sentimento, mas, nesse terreno chamado vida, perfuramos em busca de essência, quando tudo o que encontramos é resistência. Pedras, lama, ferro, até que a pá quebre e leve a paz. As mãos sangram e os braços cansam. Parar se torna melhor do que continuar.
   Que diferença há entre o malabarista, o mendigo e nós? Uns querem moedas, outros imploram por sentimentos. Do frio nos refugiamos, mas quantos deitam sós sob cobertores que aquecem o corpo, mas não o espírito?
   Como seria acordar nu em meio ao pampa congelado, vendo ao longe uma cabana e a fumaça que dela emana. Como seria querer não apenas por desejo, mas pela necessidade. E como seria ver sua mãe, esposa, filho em meio ao gelo, trajando roupas maltrapilhas, engasgando a fala sobre lábios pálidos? Como seria ver quem você ama desassistido?
  O medo da falta material faz vendermos nossa essência. Por nos acostumarmos a tais medos, nada mais será suficiente e, por nada ser suficiente seu novo abrigo será o vazio que lhe irá visitar a cada madrugada.
   Um homem vive em guerra, contra o frio, contra o medo de ver os que ele ama desassistidos. Vive em guerra contra si, contra o silêncio de sentir tal conflito. Então, um dia, ele vence, mas ainda existe guerra dentro dele, cobrança e cobiça: algo ficou para trás.
    Será que tudo requer abandono? Será que toda conquista é fruto da escolha e que toda a escolha requer um caminho sem volta? Onde mora o equilíbrio entre não sentir o corpo frio e não tirar o cobertor do espírito?
  Você pode servir sopa quente aos desabrigados, doar roupas velhas e alimentos, mas isso não significa preenchimento, nem lhe fará mais feliz. Pois ser consciente é abrir os olhos para as necessidades e para o sofrimento humano.
   O mundo está ligado e ninguém é imune à dor alheia. Muito da indiferença é uma tentativa de desapegar-se da dor de outros. Mas quanta dor cabe dentro dos que fingem não absorverem o mundo em que eles também vivem?
    Dói o frio, mas não há lugar mais gelado do que o vazio daqueles que se afastaram da única coisa que realmente aquece nossa alma: outra alma.

     Felipe Sandrin

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